É o meu aniversário e também o do meu filho. Outubro dizem, é rosa. É o mês da sensibilização para o cancro da mama e foi também o mês em que, em 2015, com 35 anos acabadinhos de fazer e um filho com pouco mais de 11 meses, tive o diagnóstico que mudou a minha vida.
Estou aqui a escrever-vos, sem ter a certeza se o devia fazer e, principalmente, se o deveria partilhar. Não é uma realidade que esconda, falo sobre este assunto sempre que sinto que pode ser importante para alguém. Escrevi um artigo para a revista Delas na altura e já referi algumas vezes, no meio de outros temas, esta parte da minha vida.
Por aqui também já o falei no artigo “Ontem foi dia de aniversário” e no Instagram quando celebrei o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Mas, não gosto de transformar o cancro numa bandeira que se hasteia em forma de vitória, até porque sinto que não o é.
Não gosto de palavras que muitas pessoas usam para descrever quem viveu uma situação limite deste tipo, como guerra. Uma guerra? Contra quem? Contra mim? Comigo? Não sinto que seja uma guerra. Muito menos me sinto uma guerreira, porque o cancro não nos dá escolha. Ou melhor, torna consciente a escolha que temos que fazer todos os dias: quero ou não quero viver? Como quero viver? O que posso fazer para viver melhor?
Estou a falar de cancro, de cancro da mama. Porque estamos no Outubro Rosa. Mas podia estar a falar-vos de qualquer outra doença física, mental, da alma, ou todas juntas. E há tantas. Há tanta gente doente. Há tanta gente a sofrer. Diabetes, asma, doença de Crohn, esclerose múltipla, artrite, problemas de pele, tiroide, AVC’s, enfartes, cancro, é uma lista interminável…
Curiosa e ironicamente a minha tese de final do curso em 2002/2003 foi sobre cancro da mama. Para tentar perceber se uma experiência de vida deste tipo afeta e modifica a identidade das pessoas que passam por ela. Foi um estudo de caso, mas a resposta foi SIM, a identidade é alterada. E a minha experiência confirma-o.
Até porque se não alterarmos a identidade vai ficar tudo na mesma. E se ficar tudo na mesma, o cartão amarelo que muitos levamos da vida pode voltar em forma de cartão vermelho. Claro que podemos ter um cartão vermelho em qualquer altura. “Para morrer basta estar vivo” dizem os antigos, com toda a razão. Mas depois de um cartão amarelo, sendo que o meu foi um amarelo com laranja quase a atirar para o vermelho, nada fica igual.
Os livros sobre cancro falam sobre como um período de stress prolongado pode fragilizar o sistema imunitário e abrir a porta ao cancro. É verdade!
E no meu caso também foi verdade: tratamentos de fertilidade, seguidos de uma gravidez em que o aborto foi sempre uma possibilidade, com ameaças constantes de parto prematuro, um bebé que nasce com o perímetro cefálico menor do que o normal e que depois dos exames necessários tem um diagnóstico em que a resposta da médica (que por sinal tinha tido cancro da mama) é tudo o que uma mãe não quer ouvir: “não sabemos o que pode acontecer, agora é viver um dia de cada vez”. Este diagnóstico caiu por terra porque, felizmente, o meu filho foi um dos ínfimos felizes contemplados com uma regressão espontânea, uma cura que ninguém sabe explicar, um milagre. Tudo isto contribuiu inegavelmente para debilitar o meu sistema imunitário.
As emoções não resolvidas podem provocar cancro, dizem alguns livros. Pois podem!
Podem pelo menos contribuir para a diminuição das nossas defesas. O medo, a tristeza, angústia, incerteza, raiva e todas as emoções negativas que ficam dentro de nós demasiado tempo, sem encontrarem uma resolução satisfatória, vão-nos inflamando por dentro.
Mas por favor, não vamos reduzir o cancro ou qualquer outra doença, a isto. Doença x: emoção não resolvida, doença y: características de personalidade e por aí a fora… Não.
Vamos olhar para a pessoa individualmente, para a história daquela pessoa.
E compreender o alcance e profundidade de cada vida humana, com todas as conexões que ela tem. Pode ser que um dia vos consiga fazer um mapa desta teia que é a minha vida.
Vamos olhar para como podemos ajudar aquela pessoa a ter esperança, a seguir em frente apesar das dificuldades, apesar das dores e do mal-estar que muitas vezes sente de forma prolongada e que frequentemente se torna incapacitante.
E a culpa? Ai a culpa… Será que fui eu que provoquei isto a mim própria? Onde foi que falhei que me colocou nesta posição? O que deveria ter visto que não consegui ver?
Os que me amam estão a sofrer por minha causa e não há muito que eu possa fazer… É um sem número de dúvidas que nos pode consumir por dentro (e às vezes consome mesmo).
Mas temos sempre escolha
Podemos viver amargurados, zangados, permanentemente tristes com o que aconteceu ou, podemos usar esta queda como impulso para nos reerguermos pessoas melhores. E mudar, o que precisa ser mudado para transformar, para crescer, para curar e prestar atenção ao que antes não éramos capazes de enxergar.
Por isso é que vocês me ouvem sempre dizer que este caminho da saúde plena é um caminho para a vida. E é! Não há soluções mágicas para os nossos problemas, mas há caminhos alternativos, mais saudáveis, que nos podem ajudar a alcançar e atrair estas transformações e curas para a nossa vida e, consequentemente, para a vida daqueles que nos rodeiam.
Aprender a soltar o que não depende de nós, a aceitar, de preferência carinhosamente e com amor, o que a vida nos traz. Agarrar na dor como impulsionador para nos tornarmos melhores versões de nós próprias. Viver mais em consciência, cuidar de nós como um todo.
Não é fácil. Tenho procurado muitos caminhos: nutrição, medicina funcional, exercício físico, yoga, escutar o silêncio (novidades sobre este tema em breve), psicoterapia de várias abordagens. Há alturas em que estou focada e consigo, e outras em que me parece difícil chegar a tanta coisa. Tentar encontrar uma harmonia nem sempre fácil, entre cuidar-me e viver bem permitindo-me alguns prazeres menos saudáveis mas deliciosos (e também por isso importantes).
Quem me segue sabe que procuro sempre novas alternativas psicoterapêuticas, muito por mim e por todos os que me rodeiam, familiares, amigos e pessoas que me procuram com todo o tipo de pedidos de ajuda. Este caminho de cura integral, olhando para todas as vertentes do ser humano, levou-me à Psicoterapia na Natureza onde se aliam as vantagens de estar na natureza e os seus intrínsecos benefícios a nível físico e mental à comunhão com o todo, que inclui a parte social, espiritual e ecológica.
A mudança já estava a acontecer em mim, mas desde o cancro mudei a minha vida quase toda. Como decido? Pelo que me faz bem. Onde é que o meu corpo se sente melhor? O que ele me pede? Se o corpo estiver bem, mais facilmente a mente e tudo o resto também estará.
Saí do Centro de Saúde onde trabalhava, pedi exoneração da função pública, depois de 16 anos de serviços estatais. Descobri que precisava ser quem sou e trabalhar alinhada com quem sou agora. E a mudança não parou. Era uma questão de vida ou morte (qualidade de vida ou morrer cada dia um bocadinho mais). Cuidado que a nossa tendência é sempre a de esticar demasiado a corda do “eu aguento” ou “é só mais um bocadinho”.
Espero e trabalho para poder continuar a sonhar e vir a morar numa casinha ecológica na floresta. Mudar, transformar, crescer. Esta é a escolha que eu faço todos os dias.
Se este testemunho servir para ficarmos atentos ao todo que é a vida preciosa de cada um de nós, vai valer a pena. Cuidemo-nos como um todo!
A doença não escolhe idades, não escolhe profissão, nível económico. Ela acontece quando menos se espera. Que possamos todos prevenir para não termos que passar por tudo isto.
Não sei o que vai acontecer amanhã. Aprendo todos os dias a viver assim, a gerir o medo que às vezes me invade, a diminuir a culpa e a tristeza do que não foi. Olho para o futuro sempre com esperança e agradeço por tudo o que tenho, por tudo o que sou agora. Aprendo a viver com mais compaixão por mim (o que tem um reflexo na forma como olho para os outros). E é nesta imperfeição que sou perfeita. Tal como todos nós.
E lembrem-se, a propósito do outubro rosa, surgem cerca de 6.000 novos casos a cada ano. Por isso façam a palpação mamária, os rastreios, análises regulares e vão ao médico assim que notarem qualquer alteração na mama. O tempo aqui é importante e faz mesmo a diferença.
Um beijinho enorme, cheio de carinho e saúde. Com a mensagem de que o sol nasce todos os dias e, com ele, uma imensidão de oportunidades.
Filipa Torres says
És uma verdadeira inspiração e eu adoro-te pela pessoa que és. Obrigada por tudo.
Eugénia says
Grata Filipa! O melhor mesmo é podermos crescer juntas! 😍😘
Anita says
Que texto maravilhoso e emotivo. As lágrimas chegaram ao canto dos meus olhos aquando a leitura do teu sonho de casa ecológica na floresta. Identifiquei—me! E que abordagem poderosa ao cancro e a todas as outras doenças que assolam o nosso corpo desconectado com a natureza. Um grande beijinho e um abraço enorme por teres partilhado esta parte tão bonita de ti
Eugénia says
Grata Anita. E concordo muito contigo sobre a desconexão, desconexão entre partes de nós e desconexão com a natureza, que somos todos. Um beijinho grande para ti.
Sara Ferreira says
Se já te admirava, passei a admirar-te ainda mais! Um grande beijinho e que a casinha na floresta esteja próxima de se concretizar. 💚
Eugénia says
Querida Sara, grata! Que os nossos sonhos se possam realizar! 💖💖
Sara Lixa says
Tão profundo e bonito!
Um grande beijinho com saudades ❤️
Eugénia says
Grata querida Sara! Saudades… Espero que estejas bem! <3